1. ORIGEM DO SAL NO OCEANO A quantidade total de �gua no mundo foi estimada em 1.500.000.000 km3.1 Desse total, cerca de 97%, ou 1.455.000.000 km3, corresponde aos oceanos. Os oceanos cont�m sais dissolvidos em concentra��es m�dias de 35 kg por m3 de �gua do mar. Assim, em peso, a quantidade total de sal nos oceanos � de cerca de 50 � 1015 toneladas, uma quantidade enorme em qualquer medida.2 Os cientistas n�o t�m certeza da origem de todo esse sal, mas geralmente � aceito que a maioria deve ter se originado como constituinte das rochas terrestres (isto �, na litosfera), degradada no tempo geol�gico e transportada para os oceanos pela vaz�o de c�rregos e rios.3 De todos os �ons de sal dissolvidos nos oceanos, o s�dio (Na+) e o cloreto (Cl-) s�o respons�veis por cerca de cinco das seis partes (5/6) (em peso). Na forma elementar, tanto o metal de s�dio (Na) quanto o g�s cloro (Cl) s�o altamente reativos; no entanto, quando combinado no composto cloreto de s�dio, este �ltimo se mostra altamente est�vel. A principal aplica��o industrial do cloreto de s�dio � para o transporte e a comercializa��o de seus constituintes. Grandes quantidades de cloreto de s�dio s�o extra�das da �gua do oceano e dos lagos de sal para serem usadas como mat�ria-prima na produ��o de g�s cloro (Cl) e hidr�xido de s�dio (soda c�ustica) (NaOH).
2. A NATUREZA DO SAL
Os sais s�o compostos qu�micos que se originam na rea��o de um �cido e uma base. Eles s�o compostos de c�tions (�ons carregados positivamente) e �nions (�ons carregados negativamente), de modo que essa combina��o � eletricamente neutra. Os �ons de sal podem ser inorg�nicos ou org�nicos. Os c�tions de sais inorg�nicos mais comuns s�o o s�dio (Na+), magn�sio (Mg+), pot�ssio (K+) e c�lcio (Ca+). Esses �ons est�o agrupados por n�mero at�mico na Tabela Peri�dica dos Elementos Qu�micos. Seus n�meros at�micos s�o 11, 12, 19 e 20, respectivamente, pr�ximo ao canto superior esquerdo da Fig. 2.
O �nion de sal inorg�nico mais comum � o cloreto (Cl-), com n�mero at�mico 17; o outro �nion de sal inorg�nico � o fluoreto (F-), com n�mero at�mico 9 (Fig. 2). S�dio e cloreto s�o de longe os �ons de sal mais abundantes na (parte oce�nica da) hidrosfera.4 No seu estado mineral, o cloreto de s�dio � conhecido como halita; na forma comum � chamado de sal de cozinha (Fig. 3).
3. A ORIGEM DO SAL A natureza � composta de quatro esferas: (1) biosfera, (2) litosfera, (3) hidrosfera e (4) atmosfera. Eles interagem entre si para formar a ecosfera, a soma total da Natureza, abrangendo todos os seres vivos e n�o-vivos. A litosfera cont�m os quatro c�tions de sais inorg�nicos mais comuns (Na+, Ca+, Mg+ e K+) em quantidades consider�veis; no entanto, cont�m apenas quantidades muito pequenas de �nions elementares de sal (Cloreto Cl- e Fluoreto F-).4 Assim, para formar compostos de sal, os �nions devem ser fornecidos por [pelo menos uma das] outras esferas. O cloreto � amplamente fornecido pela hidrosfera.4 O cloreto tamb�m � fornecido em pequenas quantidades (aeross�is) pelos oceanos para a atmosfera, eventualmente retornando � hidrosfera atrav�s da precipita��o. A Tabela 1 mostra a presen�a relativa dos quatro c�tions de sal mais comuns na litosfera. Os dois maiores componentes i�nicos da litosfera s�o oxig�nio (O-) e sil�cio (Si+), em 60,4 e 20,5% dos �tomos, respectivamente. Os c�tions de sais inorg�nicos (Na+, Ca+, Mg+ e K+) constituem 2,49, 1,88, 1,77 e 1,37% dos �tomos, respectivamente, da litosfera (Tabela 1, Coluna 3).4 A coluna 7 da Tabela 1 mostra que os c�tions de sais inorg�nicos constituem cerca de 11,1%, em peso, da litosfera. Isso significa que, para cada tonelada (1.000 kg) de rochas litosf�ricas desagregadas por intemperismo, eros�o e outros processos naturais, cerca de 111 kg de c�tions de sal s�o liberados para as outras esferas. A coluna 7 mostra que os quatro c�tions salinos inorg�nicos est�o presentes uniformemente na litosfera.
Qual fra��o dessa quantidade (111 kg por tonelada) � incorporada nas tr�s outras esferas? O s�dio est� ausente na biosfera e na atmosfera, mas est� presente significativamente na hidrosfera. C�lcio, magn�sio e pot�ssio est�o presentes na biosfera e na hidrosfera, mas ausentes na atmosfera. [Observe que o nitrog�nio, um constituinte importante da biosfera, est� amplamente ausente da litosfera, sendo sua fonte principal a atmosfera].4 Ap�s ser liberado pela litosfera, o s�dio � arrastado apenas pela hidrosfera, enquanto o c�lcio, o magn�sio e o pot�ssio s�o absorvidos pela biosfera e pela hidrosfera. Aparentemente, o s�dio n�o � ingerido pela biosfera em quantidade consider�vel, comparado com os outros c�tions salinos.4 Essas observa��es est�o resumidas na Tabela 2.
Existem amplas evid�ncias que sugerem que quantidades significativas de pot�ssio e magn�sio s�o absorvidas pela biosfera terrestre, enquanto a maior parte do c�lcio e s�dio � liberada pela biosfera, apenas para se juntar � hidrosfera continental. Os �ons de pot�ssio s�o essenciais para o funcionamento de todas as c�lulas vivas. Um �tomo de magn�sio est� no centro de cada mol�cula de clorofila.4 A hidrosfera � seletiva no uso de c�tions de sal. A Tabela 3 compara as porcentagens do teor de sal i�nico na �gua do oceano e na �gua do rio.2 � poss�vel observar que na �gua do oceano os �ons salinos predominantes s�o cloreto (Cl-) e s�dio (Na+). Por outro lado, na �gua do rio os �ons salinos predominantes s�o o bicarbonato (HCO3-), c�lcio (Ca+), s�lica (SiO2-) e sulfato (SO4-). Cloreto (Cl-) e s�dio (Na+) s�o os pr�ximos da lista, tamb�m com porcentagens significativas. Existem v�rias raz�es para essa seletividade. Bicarbonato e sulfato aparecem na �gua do rio como os principais produtos da biodegrada��o. O c�lcio e o s�dio aparecem na �gua do rio, porque n�o s�o usados significativamente pela biosfera, que descarta o excesso de c�lcio e s�dio, lixiviando-os na �gua do rio. O pot�ssio e o magn�sio tamb�m aparecem na �gua do rio, mas em porcentagens menores que o c�lcio e o s�dio.
As Tabelas 4a a 4c mostram a porcentagem dos quatro c�tions salinos mais comuns em: (a) litosfera, (b) �gua do rio e (c) �gua do oceano, respectivamente. Observa-se que a presen�a de pot�ssio e magn�sio na litosfera � muito maior que a presen�a na �gua do rio. O c�lcio parece ser pouco afetado pela biosfera, e o mesmo se aplica ao s�dio. Como resultado do sequestro biosf�rico de pot�ssio e magn�sio, a quantidade de c�tions de sais inorg�nicos realmente despejados na �gua do rio � muito menor do que a de origem litosf�rica. Um valor de 50% pode ser considerado uma estimativa aproximada da porcentagem de c�tions salinos litosf�ricos entregues � �gua do rio. Isso significaria que cerca de 55 kg de c�tions salinos s�o entregues na �gua do rio para cada tonelada de rocha intemperizada e erodida, uma quantidade consider�vel em qualquer medida. Em compara��o, a queima de uma tonelada de mat�ria org�nica produz apenas cerca de 12 kg de minerais das cinzas.4 Isso ressalta a natureza qu�mica diferente da hidrosfera (�gua do rio) e da biosfera.
Enquanto o c�lcio e o s�dio s�o descartados pela biosfera terrestre, justificando sua presen�a na �gua do rio, a aus�ncia de c�lcio dissolvido na �gua do oceano (Tabela 4c) requer justificativa adicional. A contradi��o � resolvida quando se percebe que a biosfera oce�nica � realmente um reservat�rio de c�lcio, utilizado por uma variedade de organismos marinhos para a constru��o de conchas e esqueletos.2 A Tabela 5 resume as descobertas da Tabela 4. O �nico c�tion salino inorg�nico que permanece em solu��o nos oceanos � o s�dio. N�o existe um processo biol�gico conhecido para remover os �ons de s�dio dos oceanos.2 Juntamente com o cloreto, um constituinte da hidrosfera, esses dois �ons representam 85,7% de todos os s�lidos dissolvidos na �gua do oceano (a soma das duas primeiras linhas da Coluna 3, Tabela 3). A solubilidade extremamente alta do cloreto de s�dio na �gua, a mais alta de qualquer subst�ncia conhecida, garante que, uma vez dissolvido na �gua do rio, o cloreto de s�dio permanece em solu��o quando atinge seu ponto final nos oceanos e por todo o tempo.
4. O DIREITO DA NATUREZA Com a origem dos �ons salinos estabelecida e seu destino esclarecido, conclui-se que a natureza (neste caso, a biosfera terrestre) reservou para si o direito de descartar seus res�duos de sal. Os c�tions de c�lcio e s�dio s�o amplamente desperdi�ados pela biosfera terrestre, uma vez que, como qualquer outro res�duo, s�o fornecidos em quantidades que excedem em muito a demanda real. Depois de chegar ao oceano, o c�lcio � usado pelos organismos marinhos, deixando o s�dio - e o cloreto, seu parceiro onipresente - como os �nicos res�duos verdadeiros da natureza. Nas drenagens continentais perif�ricas, com vaz�es exorreicas (de sa�da), c�rregos e rios servem ao prop�sito de liberar os sais excedentes para o oceano. Esse direito fundamental da natureza � exercido desde o in�cio dos tempos.3 As bacias de drenagem exorreica, normalmente localizadas na periferia dos continentes, s�o efetivamente capazes de liberar seus sais no oceano. Por outro lado, as drenagens endorreicas, geralmente localizadas no interior dos continentes, s�o incapazes de liberar seus sais e, ao inv�s disso, acumulam-nos no tempo geol�gico. O fato de uma dada bacia ser exorreica ou endorreica depender� da localiza��o continental e da geomorfologia local/regional.5 O que � certo � que as bacias totalmente exorreicas est�o efetivamente em equil�brio salino, sem ac�mulo l�quido de sais, enquanto as drenagens endorreicas n�o. Em geral, o endorre�smo acumula sais, desencorajando o desenvolvimento de diversos ecossistemas e, assim, prejudicando a vida. Por outro lado, as drenagens exorreicas liberam os sais excedentes, permitindo que eles continuem a sustentar a vida normal em sua mir�ade de formas. Quanto maior a massa continental, maior a chance de endorre�smo (Fig. 4). No entanto, as drenagens exorreicas t�m uma clara vantagem sobre as endorreicas em rela��o ao balan�o de sal.
Em resumo, para bacias continentais perif�ricas, os rios servem ao prop�sito de levar os sais indesejados para o oceano, onde devem permanecer fora de vista e da mente. Nesse contexto, os rios s�o vistos como exportadores naturais de sal para o oceano.3 A redu��o da vaz�o do rio pela retirada antr�pica (e sua eventual convers�o em evapora��o por irriga��o) tem o efeito de mudar gradualmente uma drenagem exorreica para uma endorreica, comprometendo o balan�o natural de sal. No entanto, � exatamente isso que os humanos v�m fazendo nos �ltimos tempos, principalmente durante o s�culo passado. 5. O DESIGN DA NATUREZA O ciclo hidrol�gico � o motor primordial da natureza. Consiste em tr�s caminhos: (1) precipita��o, (2) evapora��o e (3) escoamento. Depois de atingir a superf�cie do solo, a precipita��o se separa em escoamento e evapora��o. Por meio do escoamento, a �gua � devolvida diretamente ao oceano, de onde se originou; por meio da evapora��o, a �gua � devolvida � atmosfera, cortando o ciclo hidrol�gico. Numa base anual global, cerca de um ter�o da precipita��o aparece como escoamento, enquanto a fra��o restante (cerca de dois ter�os) � convertida em vapor de �gua e devolvida � atmosfera. Anualmente, a raz�o entre escoamento e precipita��o � denominada coeficiente de escoamento superficial K. Este coeficiente varia muito, baixo como K = 0,02 at� alto como K = 0,93 em casos extremamente incomuns.7 O coeficiente de escoamento superficial K n�o deve ser confundido com o coeficiente de escoamento eventual C que � usado em hidrologia urbana. Enquanto K � uma fun��o do clima, C � uma fun��o do grau de impermeabilidade da bacia hidrogr�fica em quest�o. A Figura 5 mostra um modelo conceitual aproximado de coeficientes de escoamento, em que K � uma fun��o de Pma/Pagt, ou seja, a raz�o entre a precipita��o m�dia anual (Pma) e a precipita��o terrestre global anual (Pagt). O �ltimo � aproximadamente Pagt = 800 mm.8
A natureza projetou o ciclo hidrol�gico para que a evapora��o e o escoamento fossem compartilhados na precipita��o. Em um extremo, para K = 0, o escoamento � zero e a evapora��o � m�xima; neste caso n�o h� meios naturais para remover os sais da bacia de drenagem. Assim, os sais se acumulam sem limite, prejudicando substancialmente os processos vitais e limitando a diversidade do ecossistema. � o caso das bacias endorreicas, normalmente localizadas no interior dos continentes, principalmente onde o escoamento superficial n�o foi capaz de encontrar uma sa�da para o oceano mais pr�ximo. O resultado final � um deserto de sal, onde a vida � limitada, n�o apenas devido � falta de �gua, mas tamb�m ao ac�mulo intermin�vel de sal. [Um exemplo extremo de endorreismo antropog�nico � o do mar Salton, na Calif�rnia, onde um lago de sal foi formado nos �ltimos 80 anos pela drenagem agr�cola em uma depress�o que ocorre naturalmente, o Salton Sink. Os sais continuam acumulando-se no mar de Salton, sem fim aparente].9 No outro extremo, para K = 1, a evapora��o � zero e o escoamento � m�ximo. Sob esse esquema, o sistema � claramente incapaz de sustentar qualquer vegeta��o. A vegeta��o requer um suprimento constante de umidade para que as plantas vasculares mantenham o turgor e, assim, evitem o murchamento. O resultado final tamb�m � um deserto, pois n�o h� possibilidade de estabelecimento da vegeta��o. Os casos anteriores s�o extremos irrealistas, apresentados aqui apenas para fins de discuss�o. Atualmente, a natureza divide a �gua disponibilizada pela precipita��o em duas fra��es distintas: uma para evapora��o e outra para o escoamento. Os valores reais dependem significativamente do clima, e tamb�m da geologia local e regional, geomorfologia e localiza��o continental.
Onde o escoamento � superior � m�dia, a vegeta��o tende a cobrir toda a superf�cie do solo; assim, a evapora��o segue por dois caminhos: (1) atrav�s da vegeta��o (evapotranspira��o) e (2) pelos corpos d'�gua (Fig. 6). Nesse caso, um intervalo t�pico � de cerca de
Por outro lado, onde o escoamento � menor que a m�dia, a vegeta��o n�o cobre toda a superf�cie do solo; assim, a evapora��o segue por tr�s caminhos: (1) atrav�s da vegeta��o (evapotranspira��o), (2) pelos corpos d'�gua e (3) pelo solo exposto (Fig. 8). Nesse caso, o intervalo t�pico � de cerca de
Seguindo o design da natureza, os valores centrais de K s�o mais prop�cios � sa�de do ecossistema e � diversidade ecol�gica. Para K ≅ 0 , o sistema est� estressado devido � falta de escoamento e excesso de sais. Para K ≅ 1, o sistema est� estressado devido ao excesso de escoamento e � falta de vegeta��o. Em teoria, a parti��o ideal da precipita��o deve corresponder a K = 0,3, isto �, aproximadamente um ter�o vai para o escoamento e os dois ter�os restantes para a evapora��o. Na pr�tica, essa situa��o pode corresponder aproximadamente ao meio do espectro clim�tico, que separa os climas semi�rido (no lado seco) e sub�mido (no lado �mido).8
A discuss�o anterior havia proposto que um coeficiente de escoamento muito baixo (K ≅ 0) s�o muitos, a exce��o em paisagens naturalmente exorreicas. Uma bacia com coeficiente de escoamento muito baixo geralmente leva ao ac�mulo de sal, uma vez que o escasso escoamento � insuficiente para transportar todos os sais. Bacias com assentamentos humanos significativos geralmente apresentam coeficientes de escoamento superficial na faixa de 6. O DESIGN DO HOMEM Em tempos recentes, mais precisamente nos �ltimos cem anos, os seres humanos tenderam a estabelecer terras semi�ridas e �ridas, onde a �gua dispon�vel pode ser insuficiente para satisfazer todas as necessidades, inclusive naturais e antropog�nicas. As necessidades naturais s�o as do ecossistema predominante, que requer �gua para o seu funcionamento normal. As necessidades antropog�nicas s�o aquelas impostas pelo assentamento humano, comprovadamente para alimentos e fibras, mas tamb�m para usos dom�sticos e industriais. Por exemplo, o limite entre regi�es semi�ridas e �ridas � de 400 mm de precipita��o m�dia anual.8 Isso deve corresponder (em uma bacia totalmente exorreica) a um coeficiente de escoamento superficial K em torno de 0,2. Frequentemente, essa quantidade de �gua � insuficiente para satisfazer todas as necessidades encontradas. Um uso antropog�nico da �gua � o consumo na irriga��o, para produzir alimentos e fibras adicionais para satisfazer a demanda crescente. Os ecossistemas naturais s�o os primeiros da fila a absorver sua parcela de �gua por evapora��o e evapotranspira��o; portanto, esse valor j� est� comprometido. Para os seres humanos, a �nica sa�da foi a convers�o do escoamento em evapotranspira��o por meio de irriga��o. Isso produz mais alimentos e fibras, mas o custo � a redu��o do coeficiente de escoamento superficial (o consumo de �gua na irriga��o precisa vir de algum lugar!). Efetivamente, os alimentos e fibras adicionais obtidos diminu�ram a capacidade da bacia de liberar seus sais.
H� quem argumente que a �gua do escoamento � preciosa demais para desperdi��-la nos oceanos. Sob essa �tica equivocada, toda gota de �gua que entra no escoamento deve ser armazenada e destinada a usos econ�micos. A irriga��o � particularmente preocupante porque, se desenvolvida sem limites, leva ao eventual desaparecimento de todo o escoamento. Com isso, quando todo o escoamento � convertido em evapora��o, o coeficiente de escoamento reduz a zero, preparando o terreno para ser tomado por um deserto infestado de sal
A solu��o � limitar, atrav�s de regulamenta��o apropriada, a convers�o antr�pica do escoamento em evapotranspira��o. Observa-se que nas regi�es semi�ridas e �ridas, onde a irriga��o � mais necess�ria, a produ��o de alimentos e fibras resulta em menos escoamento quando, na realidade, � necess�rio mais escoamento para realizar com �xito a remo��o dos sais extras. Uma li��o a ser retirada do registro hist�rico � a da pouco conhecida civiliza��o Hohokam, que prosperou no centro do Arizona por mais de 1.200 anos, at� seu desaparecimento inexplic�vel por volta de 1.450 d.C. (Fig. 10).10 Inunda��es, secas e ac�mulo de sal foram usadas na tentativa de racionalizar o desaparecimento dos Hohokam, que, de maneira apropriado, no idioma local Pima significa "aqueles que desapareceram".11 A salinidade pode se destacar como a culpada mais prov�vel, j� que as inunda��es realmente enriquecem o solo com nutrientes frescos e as secas geralmente s�o tempor�rias. Al�m disso, a salinidade � difundida e dif�cil de gerenciar, particularmente em um ambiente �rido como o da regi�o central do Arizona.
Nas �ltimas duas d�cadas, a sustentabilidade da irriga��o foi examinada minuciosamente, principalmente pelo Manual of Practice No. 71 da ASCE.12 De um lado, h� quem defenda o retorno da agricultura em terras secas, o que implica o abandono da irriga��o como um empreendimento humano desej�vel. O problema come�ou com o assentamento de terras �ridas, que os humanos podem ter perseguido seriamente em busca de mais terra, sa�de e sol. Exceto a destrui��o do assentamento em terras �ridas, que neste momento parece politicamente irrealista na melhor das hip�teses, o �nico caminho vi�vel a seguir � a regulamenta��o da irriga��o. H� sentido pr�tico em reservar uma parte do escoamento com o objetivo claro de liberar os sais da bacia.13 Esse parece ser o �nico caminho sustent�vel a seguir. 7. NO BALAN�O SALINO DA BACIA O conceito de equil�brio salino da bacia ajuda a explicar o conflito entre o design da natureza e o dos seres humanos. A natureza pretendia que as bacias totalmente exorreicas estivessem em equil�brio salino, ou seja, sem ac�mulo l�quido de sal ao longo do tempo. Por outro lado, as bacias endorreicas n�o est�o em equil�brio salino, passando por um processo cont�nuo de acumula��o de sal ao longo do tempo geol�gico. � importante observar que o padr�o de drenagem real nem sempre pode estar claro. Em alguns casos, atendendo � geomorfologia local, as bacias podem ser semiendorreicas ou semiexorreicas, dependendo de qual processo, coleta de sal ou descarga de sal, � mais prevalente e at� que ponto. Por exemplo, a bacia do Alto Paraguai, localizada perto do centro geogr�fico da Am�rica do Sul, �, para todos os efeitos, uma bacia exorreica, com vaz�o m�dia anual de 1.565 m3/s em sua foz, a conflu�ncia com o rio Apa, no Mato Grosso do Sul, Brasil.14 No entanto, a presen�a demonstrada de salinas, ou lagoas salinas, em alguns lugares, mostra que nem todas as �reas da bacia est�o conectadas ao sistema de drenagem principal (Figs. 11 e 12).15 De fato, a bacia do Alto Paraguai, embora pare�a estar em equil�brio regional de sal, pode na verdade n�o estar em equil�brio local de sal. Assim, em grandes bacias sub�midas de car�ter delta continental como o Alto Paraguai, a geomorfologia local desempenha um papel crucial no condicionamento do endorre�smo.
A escolha entre exorre�smo e endorre�smo � clara. Como os sais geralmente acabam degradando os ecossistemas naturais, particularmente nas regi�es �ridas/semi�ridas, as bacias exorreicas devem ser preferidas �s endorreicas. Preservar ou conservar o equil�brio salino de uma bacia - presumivelmente o mais pr�ximo poss�vel da realidade - � o objetivo primordial do gerenciamento sustent�vel da bacia. O exemplo da Inland Empire Brine Line, na bacia hidrogr�fica do rio Santa Ana, na Calif�rnia, mostra que o objetivo � alcan��vel.16 Nesse caso, a localiza��o continental perif�rica da bacia favoreceu claramente o objetivo do balan�o salino. 8. O CASO DA BACIA DO LAGO TULARE Um exemplo hist�rico, embora extremo, de sequestro antr�pico de escoamento (e sal) � o da Bacia do Lago Tulare, localizada perto da ponta sul do Central Valley da Calif�rnia. Na d�cada de 1840, no in�cio dos assentamentos contempor�neos da regi�o, o lago Tulare era o maior lago de �gua doce a oeste do rio Mississippi e o segundo maior dos EUA, com base na �rea de superf�cie. Na eleva��o de 66 m, seu n�vel mais alto de transbordamento, registrado em 1862 e 1868, o Lago Tulare media 790 milhas quadradas (Fig. 13).17
Durante a maior parte do s�culo XIX, o lago Tulare funcionou como uma bacia semiendorreica, coletando seu pr�prio escoamento local e regional dos rios South Fork Kings, Kaweah, Tule e Kern. Durante per�odos de inunda��o pouco frequentes, � altitude acima de 63 m, o lago Tulare transbordava para o norte, pelo rio Fresno Slough, na bacia do rio San Joaquin, lavando uma parte de seus sais. Durante o per�odo de 29 anos entre 1850 e 1878, o lago Tulare transbordou 19 vezes. A vaz�o total durante esse per�odo foi estimada em 1.055.000 acre-p�s.17 Nenhum transbordamento ocorreu ap�s 1878 devido ao aumento de desvios das vaz�es dos tribut�rios para irriga��o e do uso municipal da �gua. Em 1899, o lago secou, exceto por zonas �midas residuais e inunda��es ocasionais. O desenvolvimento da irriga��o na Bacia do Lago Tulare significou efetivamente que, nos �ltimos 140 anos, todo o escoamento foi retido dentro dos limites do lago e, com ele, todos os sais. Al�m dos sais j� presentes em quantidades normais no escoamento natural, a irriga��o de terras �ridas efetivamente cria novos sais residuais (de c�lcio e s�dio) desagregando os solos geologicamente jovens para extrair os sais �teis (magn�sio e pot�ssio).18 Assim, o desenvolvimento da irriga��o representa um golpe duplo: menos escoamento dispon�vel para transportar os sais regionais e mais sal produzido localmente.
Na Bacia do Lago Tulare, os sais est�o sendo armazenados nas bacias de evapora��o (Fig. 14). Para lidar com a quantidade crescente de sal, um h�bitat artificial de aves aqu�ticas foi implementado nos �ltimos anos (Fig. 15). O efeito desse processo massivo de ac�mulo de sal no ambiente circundante, acima e abaixo do solo, ainda precisa ser elucidado.
Pillsbury (1981), por um lado, apresentou uma perspectiva sombria das consequ�ncias do ac�mulo de sal nas bacias de evapora��o.3 Ele afirma, a saber:
As compensa��es do extensivo desenvolvimento da irriga��o, particularmente de terras �ridas, s�o obviamente claras. Mais alimentos e fibras ser�o produzidos, mas ao custo de sais adicionais, o que exigir� descarte apropriado. A falta de gerenciamento adequado de sal tornar� o sistema de irriga��o insustent�vel a longo prazo. Como Pillsbury apontou habilmente, � uma quest�o de tempo at� que o sistema comece a mostrar suas falhas. O caso da bacia do Lago Tulare pode ser um exemplo extremo de sequestro de sal antropog�nico, mas n�o � de forma alguma um caso isolado. Todo o desenvolvimento da irriga��o, particularmente nas terras �ridas, acabar� aumentando: (a) a salinidade das vaz�es a jusante, ou (b) a salinidade das �guas subterr�neas locais.3 Assim, as compensa��es do desenvolvimento da irriga��o devem ser examinadas criticamente. Em muitos casos, quando todos os fatores s�o cuidadosamente considerados, a viabilidade do desenvolvimento da irriga��o pode ser ilus�ria.12 9. CONCLUS�ES As seguintes conclus�es s�o derivadas deste estudo:
Em resumo, os �ons de s�dio e c�lcio s�o produzidos pela desintegra��o litosf�rica em quantidades muito superiores �s que poderiam ser assimiladas pela biosfera terrestre. Nas drenagens exorreicas, os res�duos resultantes foram (e est�o sendo) transportados para o oceano por c�rregos e rios. Nas drenagens endorreicas, � acumulado no interior dos continentes, produzindo bacias salinas fechadas. Em geral, o exorre�smo � prefer�vel ao endorre�smo, pois leva a ecossistemas mais saud�veis e diversificados. O desenvolvimento da irriga��o converte o escoamento em evapora��o, reduzindo a quantidade de �gua dispon�vel para a descarga de sal. Ao mesmo tempo, particularmente nas regi�es �ridas e semi�ridas, onde � mais necess�ria, a irriga��o mobiliza novos sais por meio da biodegrada��o adicional de solos geologicamente jovens.18 No limite, quando todo o escoamento � sequestrado e convertido em evapora��o, nenhum escoamento � deixado para transportar os sais para o oceano. Como o sistema � gradualmente direcionado para esse limite, torna-se insustent�vel, n�o por falta de �gua para sustentar a vegeta��o, mas por falta de �gua para lavar os sais. Atendendo � ci�ncia hidrol�gica, postulamos que a Natureza tinha um plano diferente: em m�dia, dois ter�os da �gua dispon�vel para o ecossistema e o ter�o restante para a lavagem de todos os sais, regionais e locais (novos sais).3 A estrat�gia de reter quase todo ou todo o escoamento superficial, com base no equ�voco da �gua ser "preciosa", s� poderia levar � eventual convers�o de bacias continentais perif�ricas em bacias artificiais infestadas de sal. Parece mais certo que esse n�o foi o design da Natureza. REFER�NCIAS 1 Penman, H. L. 1970. The water cycle. Scientific American, Vol. 223, No. 3, September, 99-108. 2 Swenson, H. 2015. Why is the ocean salty? U.S. Geological Survey publication. 3 Pillsbury, A. F. 1981. The salinity of rivers. Scientific American, Vol. 245, No. 1, July, 54-65. 4 Deevey, E. S. 1970. Mineral cycles. Scientific American, Vol. 223, No. 3, September, 149-158. 5 Ponce, V. M. 2014. Ecohydroclimatological research: The case for geomorphology. Online article. 6 Railsback, L. B. 2006. Some fundamentals of mineralogy and geochemistry. Online article, Consulted on February 19, 2015. 7 L'vovich, M. I. 1979. World water resources and their future. Translation from Russian by Raymond L. Nace, American Geophysical Union. 8 Ponce, V. M., R. P. Pandey, and S. Ercan. 2000. Characterization of drought across climatic spectrum. Journal of Hydrologic Engineering, ASCE, Vol. 5, No. 2, April, 222-224. 9 Ponce, V. M. 2005. The Salton Sea: An assessment. Online article. 10 Encyclopædia Britannica. Hohokam culture. Consulted on February 19, 2015. 11 Arizona Museum of Natural History. The Hohokam. Consulted on February 19, 2015. 12 American Society of Civil Engineers. 1990. Irrigated agriculture: Is it sustainable? Chapter 28 in Agricultural salinity assessement and management. Manuals and Reports on Engineering Practice No. 71, 1st edition, New York. 13 Ponce, V. M. 2009. Sustainable runoff for basin salt balance. Online article. 14 Ponce, V. M. 1995. Hydrologic and environmental impact of the Parana-Paraguay Waterway on the Pantanal of Mato Grosso, Brazil: A reference study. San Diego State University, San Diego, California. 15 Martins, E. R. C. 2012. Tipologias de lagoas salinas no Pantanal de Nhecolândia (MS). Doctoral dissertation, Universidade de São Paulo, São Paulo, Brazil. 16 Santa Ana Watershed Project Authority. 2012. Inland Empire Brine Line. Consulted on February 15, 2015. 17 ECORP Consulting, Inc. 2007. Tulare Lake basin hydrology and hydrography: A summary of the movement of water and aquatic species. U.S. Environmental Protection Agency. 18 Rhoades, J. D., D. B. Krueger, and M. J. Reed, 1968. The effect of soil-mineral weathering on the sodium hazard of irrigation waters. Soil Science Society of America Proceedings, Vol. 32, 643-647. PDF file: download Adobe Acrobat Reader |
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